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Iluminação e Dengue: Como a Luz Artificial Pode Aumentar o Risco da Doença

A iluminação artificial urbana pode estar contribuindo para o aumento dos casos de dengue. Embora a luz natural seja essencial para o equilíbrio do nosso ciclo biológico — regulando temperatura corporal, atividade cerebral e produção de hormônios —, o uso inadequado da iluminação artificial interfere não apenas na saúde humana, mas também no comportamento de animais e insetos.

O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, zika e febre amarela, é tradicionalmente um inseto diurno, adaptado para se alimentar durante o dia. No entanto, o excesso de luz nas cidades, muitas vezes emitida por luminárias inadequadas e com espectros não apropriados, confunde seu ciclo biológico, fazendo-o acreditar que ainda é dia. Isso prolonga suas atividades de alimentação e reprodução, aumentando a chance de picadas e, consequentemente, a disseminação da doença.

Essa alteração no comportamento não é exclusiva do Aedes aegypti — muitas outras espécies de insetos sofrem impacto da poluição luminosa, com consequências para o equilíbrio ecológico e para a saúde pública. Uma das mudanças mais comuns na iluminação urbana é a substituição de lâmpadas de vapor de sódio (com temperatura de cor de cerca de 1800K) por LEDs de 4000K a 6500K, que possuem alta emissão nas frequências de ciano, azul e verde — faixas de luz altamente visíveis para os insetos.

Estudos mostram que a maioria dos insetos possui fotorreceptores adaptados para perceber espectros de luz verde, azul e ultravioleta. Enquanto nós, humanos, não enxergamos o ultravioleta, muitas espécies dependem dele para se orientar, encontrar alimento e água. Flores, por exemplo, apresentam padrões visíveis apenas no UV, atraindo polinizadores essenciais ao equilíbrio ambiental. Já a luz vermelha é pouco percebida por insetos, motivo pelo qual luminárias com espectro quente (abaixo de 2700K) ou luz âmbar (em torno de 605 nm) são recomendadas para áreas próximas a habitações humanas.

Além da temperatura de cor, o design da luminária é determinante. Equipamentos com corte de luz adequado (cut-off) e que posicionam a fonte luminosa totalmente no interior do corpo da luminária reduzem o brilho visível a longas distâncias e, portanto, a atração dos insetos. O uso de luz difusa e direcionada apenas para onde é necessário também diminui o impacto na fauna noturna.

A presença de luz artificial intensa em locais com grande circulação de pessoas — como terminais de transporte, praças esportivas e áreas de lazer — pode transformar esses espaços em verdadeiros pontos de caça para o Aedes aegypti, especialmente quando há acúmulo de água nas proximidades. Como o odor do suor humano é um dos principais atrativos para as fêmeas do mosquito, que precisam de sangue para ovular, eventos e atividades noturnas em locais mal projetados do ponto de vista luminotécnico aumentam o risco de transmissão.

Para reduzir a influência da iluminação artificial no comportamento dos insetos e, por consequência, o risco de proliferação de doenças, é fundamental que órgãos públicos e projetistas de iluminação adotem especificações técnicas adequadas. Isso inclui priorizar luz quente ou âmbar, utilizar luminárias com bom controle de ofuscamento, direcionamento e corte de luz, além de minimizar a emissão no espectro azul e ultravioleta.

Mais do que uma questão estética, a iluminação urbana é também uma questão de saúde pública. Com escolhas corretas, é possível garantir segurança e visibilidade à noite, sem interferir no ciclo natural dos insetos, protegendo a biodiversidade e reduzindo o risco de doenças como a dengue. A iluminação urbana e áreas de preservação permanente exige atenção especial para proteger o ecossistema e garantir a segurança dos usuários. É fundamental respeitar a legislação vigente, utilizar equipamentos adequados e escolher fontes luminosas com espectro controlado, evitando interferências na fauna e flora noturnas. A recente atualização da ABNT NBR 5101 – Iluminação Viária – Procedimentos, publicada em 25 de março de 2024, trouxe avanços importantes, estabelecendo limites claros e exigências específicas para temperaturas de cor adequadas a cada uso, priorizando o bem-estar humano e ambiental. No entanto, a plena aplicação da norma segue comprometida pela falta de atualização do regulamento técnico compulsório do INMETRO. Essa defasagem evidencia como a lentidão na revisão técnica pode prejudicar a sociedade, atrasando melhorias essenciais na iluminação pública. A expectativa era que, com a simples inclusão das temperaturas de cor de 1800K e 2200K na Portaria 62 do INMETRO, as luminárias públicas pudessem ser certificadas e os projetos adaptados à nova norma. Curiosamente, o regulamento ainda permite a certificação de luminárias com lâmpadas a vapor de sódio, que possuem luz amarelada nessa faixa de temperatura, mesmo com baixo índice de reprodução de cor (IRC 20), mas não contempla a mesma possibilidade quando se trata de LEDs com a mesma tonalidade. Essa incoerência técnica acaba limitando o avanço de soluções mais eficientes e sustentáveis para a iluminação viária no Brasil. BARGHINI, Alessandro. Antes que os vaga-lumes desapareçam: a influência da iluminação artificial sobre o ambiente. 2010. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5101: iluminação pública – procedimento. Rio de Janeiro, 2024.

 
 
 

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